Vem saber mais do recente episódio de crise bancária americana e a correlação com o mercado de criptoativos!
Por: Matheus Franco P. Lopes
Durante a segunda semana de março, na sexta-feira (10), um novo colapso veio a público, a falência do Silicon Valley Bank (SVB), acompanhado da incerteza de se tratar ou não de risco sistêmico financeiro, sobretudo quanto ao ecossistema das Startups, seus principais clientes.
Longe de ser a primeira, tampouco a última vez, que grandes e importantes bancos enfrentam crises financeiras de grande impacto e, até mesmo, “resgates” por outros bancos e entidades como Bancos Centrais, caso do Federal Reserve System (FED) americano, é seguro dizer que esta crise é singular em alguns pontos de reflexão.
O primeiro ponto se refere ao amplo, massivo e facilitado acesso à informação que os clientes destes bancos possuem hoje, diferentemente do que antes vivenciado nas crises sistêmicas de 1929, com a quebra da bolsa de Nova Iorque e a de 2008, marcada pela bolha imobiliária americana, acompanhada da falta de regulação adequada.
Agora, em 2023, as notícias são divulgadas instantaneamente e conversas ocorrem em tempo real, o que, por sua vez, amplifica o acesso a informações privilegiadas, além de boatos e fake news. Seja para “bem ou mal”, a mensagem chega ao destinatário, seja ele qual for, não importando onde esteja.
O segundo, podemos definir como um desdobramento natural da digitalização do dinheiro. Há alguns anos atrás, não era difícil notar grandes filas diante de caixas eletrônicos, observado que ainda era costume realizar pagamentos em cédulas e moedas, isto é, dinheiro físico.
Contudo, com a popularização e acesso à meios de pagamento digitais, além dos inovadores PIX brasileiro e Zelle americano, o dinheiro passou a circular muito mais em sua forma digital. Enquanto os Baby boomers e a Geração X estavam vacinados contra esse tipo de intempérie possuiam os anticorpos para lidar com as “Bank runs”, ou corrida aos bancos, os Millenials e a Geração Z, que povoam o ecossistema das Startups, se viram diante de um vírus desconhecido.
O terceiro ponto de reflexão se traduz como um dos efeitos negativos da globalização e da digitalização da economia. O brocardo “à medida que a globalização avança, as barreiras geográficas diminuem” nunca fez tanto sentido. Como decorrência disso, os vínculos entre as economias mundo a fora, nos mais variados níveis, nunca estiveram tão próximos.
Atualmente, temos várias teias de complexidade, que passam pela construção de relacionamentos geopolíticos, atividade de agências reguladoras cada vez mais especializadas, transações comerciais internacionais em grandes volumes financeiros e instituições financeiras que movimentam vultosos recursos, como é o caso dos bancos.
Certamente, existe uma série de stakeholders que se posicionam nestas teias, desempenham papeis fundamentais para o funcionamento das engrenagens da economia internacional. Um deles, Silicon Valley Bank, como vimos, veio à derrocada.
O impacto decorrente disso é de grande magnitude, tendo em vista que as Startups de capital aberto ao redor do mundo possuem capitalização de mercado de, aproximadamente US$ 11,9 trilhões, segundo relatório divulgado (Q3 2022) pela PitchBook, enquanto o mercado dos criptoativos conta com capitalização de mercado de US$ 2,3 trilhões, conforme dados reunidos pelo CoinMarketCap.
Posto esse cenário, passamos à correlação com o mercado de criptoativos, notadamente quanto às stablecoins, espécie dentro do conceito de criptoativos que conta com, aproximadamente, US$ 180 bilhões de capitalização de mercado.
Em linhas gerais, as stablecoins são tokens que representam, em par de igualdade e na proporção de “1:1” determinado ativo, tal como ocorre com as stablecoins representantes de moeda fiduciária, USDC, USDT e BUSD que, pelo menos em tese, equivaleriam à 1 dólar americado.
Ocorre que, para que haja a garantia de lastro nestas stablecoins, é necessário haver, comprovadamente, a existência de recursos reservados para a cobertura e saldo total de unidades emitidas, ou seja, é preciso haver fundos suficientes para o resgate de cada stablecoin em seu respectivo lastro. Assim, o detentor de 1 token USDC, por exemplo, consegue ter a expectativa razoável de que conseguirá resgatar 1 dólar americano, caso seja de seu interesse.
Daí, surge a necessidade do custodiante do ativo, além de cumprimento do arcabouço regulatório e compliance com as normas aplicáveis ao caso concreto, sobretudo de natureza financeira e fiscal. Para o nosso caso, tratando-se de moeda fiduciária, o custodiante mais adequado são as instituições financeiras, notadamente, os bancos comerciais.
Como se pode imaginar, existem inúmeros riscos envolvidos nas atividades relacionadas ao processo de “tokenização” de moedas fiduciárias, desde aqueles de natureza regulatória, até falhas de segurança da informação e brechas em smart contracts.
Retornando ao exemplo proposto, caso o detentor de 1 token USDC efetivamente quiser resgatar seu 1 dólar americano, será que o emissor terá recursos suficientes para saldar a obrigação? Pode ser que sim, principalmente se o seu departamento financeiro estiver em dia. Mas, e se o problema for com o custodiante?
É esta, pois, a situação encarada por empresas como a Circle, empresa responsável pela emissão da stablecoin USDC, que detinha cerca de 8,25% das suas reservas de dólar no Silicon Valley Bank, o equivalente a US$ 3,3 bilhões.
Nesse cenário, durante o sábado (11), a stablecoin USDC passou por um “de-pegg” (descorrelacionamento de valor de mercado), chegando a ser cotada em US$ 0.8, ou seja, US$ 0.2 a menos do valor que deveria representar, US$ 1, para cada unidade da stablecoin.
Inevitavelmente, vários investidores e detentores de USDC viram seus saldos, até então estáveis, decrescer inesperadamente, ocasionando uma outra “Bank run”, para as exchanges (corretoras) e protocolos de DeFi, no intuito de “frear” suas perdas, sacando tokens de USDC ou os convertendo para outros ativos.
Na quarta (15), o CEO da Circle, emissora da stablecoin USDC, veio a público informar que a empresa conseguiu reaver todos os valores custodiados junto ao Silicon Valley Bank. Entretanto, o mercado ainda segue com desconfiança.
Como saldo geral do episódio, Instituições financeiras, gestoras de investimentos e outros players relacionados, se veem diante de incertezas com relação aos desdobramentos dos episódios, de modo que, por ocasião, paira entendimento pela necessidade de diminuição dos juros por parte do FED, como medida destinada a frear o impacto financeiro decorrente da aquisição de títulos públicos por estes bancos.
Os stakeholders do mercado de criptoativos, por outro lado, seguem apreensivos com a ainda forte correlação existente com outros mercados, além do aumento na falta de confiança das instituições financeiras tradicionais, como é o caso dos bancos.
Ainda é cedo para tirar conclusões sob os caminhos e alternativas a serem exploradas pelos agentes do mercado de criptoativos, na busca pelo seu amadurecimento.
Fato é que, o oxigênio deste mercado, ainda que para ativos tokenizados, provém das veias de instituições como o Silicon Valley Bank, isto é, um banco comercial. Além disso, em paralelo a este dilema, existe uma série de desafios a serem endereçados e outros tantos pendentes de solução.
As lições tiradas desse episódio expuseram muitas fraquezas, de todos os lados envolvidos, e, embora não apontam para possibilidades claras, tornam urgente a ativação de consciência dos marinheiros de primeira viagem (Millenials e Geração Z), que assumem posição de destaque e liderança no ecossistema de Startups e no mercado de criptoativos.