Block&Fire: A Revolução dos Extintores


Por Francisco Andrade – Pesquisador do iCoLab 

Nesse artigo, descrevemos um possível caso de uso da tecnologia blockchain na manutenção dos extintores portáteis.

O ambiente normativo não acompanha as inovações tecnológicas, visto que estas surgem e se estabelecem em uma rapidez que a atualização normativa é incapaz de seguir. Não é razoável que a cada inovação tecnológica as instituições responsáveis por normalizar a atividade tenham que emitir um documento alterando a norma. As inovações tecnológicas são contemporâneas, dinâmicas e quando aparecem o mercado experimenta, faz a validação e em sendo aprovada, adota em seus procedimentos organizacionais, demonstrando na prática os benefícios da inovação.

A problematização da manutenção dos extintores portáteis é um assunto delicado e complicado dado que existem autoridades públicas envolvidas, como o Inmetro, órgão federal normalizador e fiscalizador, e os Corpos de Bombeiros Militares, órgãos estaduais responsáveis pela atividade no âmbito dos estados, também com funções normativas e de fiscalização. As normas estão publicadas e têm seus procedimentos muito bem definidos e as responsabilidades de cada ator são estabelecidas, de forma que, teoricamente, os equipamentos teriam que ter um nível de confiabilidade muito maior do que têm na prática.

Então, como melhorar a manutenção desses equipamentos que em momentos cruciais podem ser determinantes para o salvamento de vidas humanas e preservação de patrimônios? É claro que não há uma solução mágica, mas que a tecnologia pode ajudar a melhorar o ambiente e os resultados, não há dúvidas.

O modelo atual de fiscalização é centralizado, com emissão de documentos por parte dos órgãos estaduais em conformidade com os regulamentos. Verificou-se no estudo do IPT que, apesar das 36 edificações avaliadas estarem regulares com seus autos de vistorias, seus equipamentos de proteção não estavam em conformidade com a instrução técnica, o que representa um contraditório.

Mas como a edificação estava regular se seus equipamentos não estavam em conformidade? A resposta mais provável é que no ato da fiscalização o que importou ao agente fiscalizador foi verificar se o extintor portátil tinha o “selo” do Inmetro. Se tiver o “selo” do Inmetro, está regular. Essa é a praxe do mercado. Mas não adianta somente ter o “selo” do Inmetro, porque ter o “selo” do Inmetro não significa que a edificação está segura. Mas como o agente pode garantir no ato da fiscalização que aquele extintor portátil está em conformidade com a instrução técnica? A blockchain pode ajudar!

Blockchains são estruturas de dados ou livros razão compartilhados e distribuídos que podem armazenar transações digitais com segurança sem usar um ponto central de autoridade, ou seja, sem a necessidade do “middle man”. Mais importante, as Blockchains permitem a execução automatizada de contratos inteligentes em redes peer-to-peer (P2P) (SWAN, 2015). Em vez de gerenciar o livro-razão por meio de um único centro confiável (Corpo de Bombeiros), cada membro individual da rede (Empresa, Fornecedor, Ministério Público, Associação de Moradores, Usuários) mantém uma cópia da cadeia de registros e concorda com o status válido do livro-razão com consenso. Um relatório do governo do Reino Unido afirma que as Blockchains podem ter a capacidade de reformar nossos mercados financeiros, cadeias de suprimentos, serviços ao consumidor, modalidades business-to-business e trazem a possibilidade de serem negociados publicamente (Walport, 2021).

Assim, tal tecnologia emergente atraiu considerável interesse de empresas de fornecimento de energia, startups, desenvolvedores de tecnologia, instituições financeiras, governos nacionais e comunidade acadêmica. Inúmeras fontes provenientes dessas origens identificam as blockchains como tendo potencial para trazer benefícios e inovação significativos. Blockchains prometem sistemas transparentes, invioláveis e seguros que podem permitir novas soluções de negócios, especialmente quando combinados com contratos inteligentes (ANDONI, et al., 2019). Essa nova tecnologia pode reduzir custos de transação, gerar confiança distribuída e criar plataformas verdadeiramente descentralizadas, tornando-se potencialmente uma nova base para modelos de negócios descentralizados (ANDRADE, F. A.P., 2022).

Sabemos que em uma cadeia de confiança o componente da  engenharia social – termo que descreve um tipo psicotécnico de intrusão que depende fortemente da interação humana e envolve enganar outras pessoas para a quebra de procedimentos de segurança (Hussain, 2023) – é o elo mais suscetível a fraudes e é o que o IPT identificou no processo de manutenção dos extintores.

Apesar de estarem em situação “regular”, as edificações, com os equipamentos supostamente “regulares” em virtude de estarem dentro do período de validade das suas manutenções com seus respectivos “selos” de conformidade, em algum momento o elo da cadeia não realizou os procedimentos conforme as normas e instrução técnica, pois do contrário, haveria índices melhores de conformidade, próximos pelo menos ao dos Estados Unidos, 3,5 vezes superior.

Em todos os segmentos econômicos sujeita-se à engenharia social e, dentro da cadeia de confiança os intermediários são uma parte importante no processo. Mas as limitações desses intermediários através de sua ineficiência operacional, sua vulnerabilidade a hackers, funcionários desonestos, fornecedores igualmente vulneráveis, entre outros aspectos, estão se tornando mais aparentes.

Realizar transações do modo mais seguro possível com o menor custo permitido é um objetivo que tem sido perseguido ao longo dos tempos. Nos dias atuais, esse é um objetivo que impacta a vida de quase todos. Mas não há dúvida que na complexa sociedade o custo da confiança se torna cada dia maior. Seja pela quantidade de transações que são feitas, seja pela capacidade dos indivíduos de fraudarem esse ecossistema.

Blockchain é vista assim como a mais adequada solução tecnológica para fazer com que um processo unificado de manutenção de extintores portáteis seja instanciado entre diversas empresas ou instituições independentes entre si, com 100% de confiabilidade nas transações. Blockchain permite uma boa rastreabilidade, garantindo que cada etapa de um processo de manutenção de extintores portáteis seja controlada com um acompanhamento mais eficaz, de forma descentralizada, em que alterações nas etapas da manutenção dos extintores podem ser rapidamente detectadas, diminuindo a chance de falhas e garantindo maior segurança. Por exemplo, fotos e vídeos dos extintores portáteis que sofrerão manutenção poderão ser feitos para a conferência pelos atores do processo, bem como outras etapas como vídeos da recarga dos extintores. A descarga do agente extintor antigo e a recarga, com a abertura da embalagem sendo registrada demonstrando a origem do agente extintor, a troca das mangueiras, o recebimento dos extintores pelo prestador de serviços etc. Ou seja, cada etapa, cada detalhe dos procedimentos e requisitos da manutenção dos extintores portáteis poderão ser registrados e gravados na blockchain de cada empresa ou instituição, de modo que os fiscalizadores (Corpos de Bombeiros e Inmetro) e até mesmo usuários externos (Ministério Público e clientes) terão acesso, garantindo uma maior transparência que será traduzida em maior segurança para a sociedade.

Parte do artigo foi publicado na revista FLAMMAE – Artigo Publicado no Vol.09 N.25 – Janeiro a Junho 2023 – ISSN 2359-4829.

Autores: Péricles Mattos; Francisco Adão de Paula Andrade; Alexandre Luís Belchior dos Santos; Márcia Motta Pimenta Velloso. https://doi.org/10.56081/2359-4837/flammae.v9n25.a5

Grupo WhatsApp
host