“NFTS FREE MINTS” E O PROCON: ERROU OU ACERTOU?

“NFTS FREE MINTS” E O PROCON: ERROU OU ACERTOU?

Por: Daniela Pellin e Matheus Franco Pinto Lopes

Nessa pegada global de construção da Sociedade da Informação (SOCINFO)  ou melhor, das infra estruturas da Sociedade do Conhecimento que vêm sendo construídas, desde idos de 1960, ou ainda, com mais impacto comercial, a partir de 1990, nos deparamos com as estruturas de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) em vias de total consolidação. Isso é possível afirmar porque estamos na fase de migração das pessoas, das empresas, dos governos nacionais e a fusão do mundo real e virtual, transformando pessoas em infovíduos – categoria criada por Massimo Di Felice –  para viverem nesse locus em rede de funcionamento desta Sociedade.

Na SOCINFO, o Metaverso é o lugar da experiência humana datificada; a WEB 3.0 é a linguagem de sentido desta comunidade; os NFTs, certificados de propriedade; a Blockchain, a infraestrutura que possibilita a verificação automática, segura e confiável do trânsito informacional, público ou privado; as Criptomoedas, a representação da economia e circulação de riquezas e ativos financeiros, expressando o valor monetário desta sociedade; e, por fim, as DAOs, como sistema de autorregulação ou corregulação, mediante a estruturação e funcionamento da governança da informação, comunicação e produção de conhecimento para a cooperação, colaboração e ganhos conjuntos.

 Hoje, contudo, vamos observar um pouquinho mais de perto os “NFTs Free Mint”, tendo em vista o posicionamento adotado pelo PROCON-SP, recentemente. Será que o PROCON errou ou acertou ao considerar o direito ao arrependimento na transação de venda e compra de NFT?

O cenário de construção de NFTs como plataforma operacional na Web3 para representar a propriedade de ativos intangíveis (digitais por natureza) ou tangíveis (representativos de bens físicos) surgiu da necessidade de empresas e pessoas certificar transações e aquisições na rede, documentando-as de forma personalíssima (mercado primário com intervenção de terceiros autenticadores: B2C) e, após isso, transacioná-las, novamente, com outros usuários da rede (mercado secundário, sem a intervenção de terceiros e diretamente no marketplace, sem autenticadores: C2C).

De modo geral, para que um NFT seja obtido pelo usuário, existem duas possibilidades, sendo a primeira o “mint” (ou cunhagem) que se refere à aquisição do NFT a partir do Smart Contract criado pela equipe ou responsável pela coleção, cujo preço normalmente é pago com o token nativo da rede Blockchain utilizada; já, a segunda, correspondente à aquisição no mercado secundário, mediante uma espécie de revenda em marketplaces ou diretamente entre usuários.

O primeiro experimento envolvendo NFTs remonta à criação das moedas coloridas em 2012, na Blockchain do Bitcoin, inaugurando os experimentos com esta nova possibilidade de token. Contudo, apenas em 2017, após exploração das aplicações possíveis na Blockchain Ethereum, possibilitou-se o surgimento dos famosos Smart Contracts e a primeira coleção de NFT: os CryptoPunks.

A produção de “NFTs Free Mint” surgiu como alternativa, após um bear market no setor de criptoativos, no início de 2022, que tendeu a restringir o acesso a este mercado, tendo em vista uma grande quantidade de coleções lançadas com preços expressivos (0.07 a 0.01 ETH), equivalente a US$160 e US$230, em meados de abril. A partir dessa restrição e seleção imatura e abrupta no setor, emergiram projetos com coleções free mint, ou seja, NFTs gratuitos para a aquisição primária (B2C). O custo dessa aquisição ficou condicionado, apenas, à despesa de gas, compreendido como custo da plataforma operacional do Smart Contract vinculado à aquisição.

E foi neste espaço de crise de supervalorização de NFTs, que grandes detentores de coleções viram seu floor price despencar vertiginosamente, abrindo a oportunidade de cunhagem de NFTs sem custo algum, a fim de obter receita com transações no mercado secundário.

Entremeio a crise e a reacomodação do mercado primário e secundário de NFTs despertou-se a discussão jurídica acerca da aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista, a possibilidade de envolver as mesmas categorias jurídicas nas transações dos NFTs a partir de uma consulta, recentemente, feita ao PROCON-SP.

Sem dúvidas, esse cenário não é de fácil compreensão. Mas, bora lá!

Toda a questão jurídica que envolve a aplicação do Código de Defesa do Consumidor envolve, primeiramente, a identificação das figuras presentes na relação que se quer analisar: se há uma pessoa jurídica e uma pessoa física (B2C), está-se diante da proteção do consumidor; se há uma pessoa jurídica e outra pessoa jurídica (B2B), não há como invocar a legislação do consumidor, ainda que, uma empresa esteja consumindo da outra; se há relação entre duas pessoas físicas (C2C), de igual forma, não há proteção do consumidor. Uma vez que a legislação do consumidor não se aplica, o ofendido deverá buscar a legislação civil.

Segundo, o fato de que essas relações jurídicas podem acontecer no ambiente da rede e, portanto, à distância, consolidada por recursos tecnológicos que validam direitos e obrigações contratuais. Em caso de descumprimento, há a possibilidade de se aplicar a legislação correspondente: civil ou de consumo. Mas, se tratar-se de relação jurídica B2C, uma das regras protetivas é a de que o consumidor terá o direito de arrepender-se ao receber sua compra, no endereço informado para entrega e, portanto, em até 7 dias, reclamar a devolução do produto e o reembolso. Inclusive, esse arrependimento não precisa ser motivado ou explicado (art. 49, CDC).

Caso se trate de aquisição de NFT Free Mint por usuário consumidor, a respectiva entrega, para efeitos de incidência do CDC, se o caso, passa a contar quando ocorre a cunhagem, ou seja,  quando há a transferência do NFT para a carteira do cliente.

Terceiro ponto de atenção. O produto protegido na relação B2C é aquele em que é desenvolvido e aplicado como modelo de negócio destinado à aquisição pelo usuário consumidor, para seu uso, gozo e fruição pessoal. Não pode se transformar em intermediário profissional sob as penas de perder a proteção.

Esse é o caso da aquisição de NFT, no mercado primário, via Smart Contract disponibilizado na Blockchain por pessoas jurídicas e profissionais que têm o mercado de NFTs como core business. Há um detalhe nesse aspecto de alerta: caso uma pessoa física, profissional da tecnologia, por exemplo, atue no mercado de NFTs com a habitualidade e profissionalismo característico de atividade empresarial, será implicado no CDC.

Ocorre que, grande parcela das coleções lançadas, atualmente, no modelo de free mint se beneficiam das vendas no mercado secundário, isto é, obtém rendimentos a partir da obtenção de royalties pré-determinados no próprio Smart Contract que cria o NFT ou a coleção em questão. A proporção praticada se situa na faixa de 10% das vendas, na grande maioria. Isso significa que a condição profissional está presente tanto no mercado primário quanto secundário, o que dificulta o endereçamento do CDC que, certamente, estará a depender da análise de cada caso.

Para controlar eventual desajuste de conduta contratual na ocorrência dos chamados rug pulls, ou seja, abandono contratual pelos criadores de coleções de NFTs, foi criado o padrão tecnológico ERC-721R visando possibilitar o travamento do repasse da receita decorrente da venda dos NFTs durante determinado período de tempo, de modo que seja possível realizar a devolução do NFT e obtenção de reembolso para segurança da relação jurídica. Isso porque o sistema não distingue o consumidor de NFT do intermediador de NFT. Por tal razão, trata todo usuário como adquirente.

Em decorrência dessa dinâmica do mercado de NFTs Free Mint, houve a ampliação do rol de players nas transações, sendo certo que o PROCON SP manifestou-se pela regra geral protetiva do direito ao arrependimento em caso de consumidor de NFTs Free Mint, com acerto. Na ocasião, não foi feita a análise de caso a caso, assim como o sistema também não o faz, mas, aplicou-se a regra geral protetiva, uma vez que, nesse mercado, não importa a infoestrada ou agente pelo qual o consumidor adquiriu o produto desejado, o que importa é que ele seja pessoa física e se comporte como consumidor e, portanto, esteja legitimado ao uso da regra de arrependimento.

A publicação no Twitter, chamou a atenção para os juristas e players de plantão, o que motivou, consequentemente, essa News.

Fonte: TWITTER, 2022.
Mesmo havendo este movimento, até o presente momento não se tem notícia de casos envolvendo o acionamento de qualquer unidade do PROCON ou, até mesmo o Judiciário com a finalidade de reclamar a devolução de NFTs ou reembolso de pagamentos  decorrentes da aquisição destes ativos, sejam eles fruto de intuito comercial ou gratuitos. Por enquanto, os usuários estão se apropriando das chances de monetizar seus interesses e facilidades, uma vez que a tecnologia criou o mercado.

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