O Brasil e as identidades digitais descentralizadas!


O Brasil e as identidades digitais descentralizadas: Quais soluções temos até hoje?

Por Giulia Willcox (Coordenadora da Área de Ciência da Computação), Alan Veloso e Bruno Evaristo (pesquisadores da Área de Ciência da Computação)

O Brasil vem presenciando, desde 2017, a proposição ainda tímida de algumas soluções de identidade digital descentralizada, e, desde então, alguns centros de pesquisa e órgãos públicos têm voltado sua atenção e desenvolvendo soluções de identidade digital descentralizada.

É preciso pontuar, no entanto, que a história do Brasil com as identidades digitais vem bem antes até do surgimento das redes blockchain: já em 2001, oito anos antes do lançamento do whitepaper de Satoshi Nakamoto, o Estado brasileiro se deparou com a necessidade de criação de uma infraestrutura de chaves públicas e um conjunto de entidades hierarquicamente organizadas que permitisse a emissão e fiscalização e auditoria de documentos eletrônicos de forma confiável e segura, garantindo “a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica”. Esta infraestrutura foi implementada a partir da Medida Provisória 2.200-2, que instituiu a popularmente conhecida Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).

A ICP-Brasil forneceu a base, tanto tecnológica quanto jurídica, e o pontapé inicial para que soluções em identidades digitais fossem desenvolvidas no Brasil, já introduzindo alguns conceitos como o da criptografia assimétrica, chaves públicas e privadas, que mais tarde seriam aprofundados com o surgimento das redes blockchain. A blockchain tem sido, então, uma ferramenta extra e uma possibilidade de aprofundar — ou ao menos adicionar a “descentralização” –, no desenvolvimento de identidades digitais no Brasil.

Com o advento do tratamento de dados e o avanço dos meios de gestão de identidade, que são basicamente um conjunto de políticas, processos e tecnologias usadas para garantir que apenas entidades, como pessoas, instituições ou coisas sejam autorizadas a ter acesso a recursos numa organização específica, surgem algumas soluções de identidade descentralizada digital que vêm sendo bastante utilizadas, seja como pesquisas iniciais, seja como casos de uso no mercado, como, por exemplo:

OMyPass (https://originalmy.com/blockchain-id) que pode ser considerada a primeira solução de identidade digital descentralizada brasileira baseada na tecnologia blockchain. A OriginalMy, startup responsável pelo OMyPass, lançou a ferramenta nas lojas de aplicativos em maio de 2017, mas com o nome de Blockchain ID. Apesar de ter sido lançada em 2017, ela não obteve destaque dentre as soluções de identidade digital descentralizadas atualmente. A OriginalMy não fornece informações detalhadas sobre as tecnologias que dão suporte ao OMyPass, apenas proporciona algumas informações gerais sobre o funcionamento e utilização (https://docs.originalmy.com/pt_BR/latest/24-identidade.html). Sabe-se que a OriginalMy utiliza atualmente duas blockchains para fornecer os seus serviços: o Ethereum Classic e o Decred (https://originalmy.readthedocs.io/pt_BR/latest/60-blockchains.html). Entretanto, não é possível saber se de fato uma delas é utilizada para dar suporte ao OMyPass.

iziPass é uma solução de identidade digital descentralizada desenvolvida pela Certisign desde junho de 2022. A Certisign é uma empresa IDTech especialista em identificação e segurança digital e possui outras soluções utilizadas em conjunto com o iziPass, como o iziSign e iziBiz. Esse conjunto de soluções é atualmente oferecido através do iziHub (https://loja.certisign.com.br/izihub), considerada uma startup interna do Certisign (https://cryptoid.com.br/certisign/certisign-anuncia-startup-interna-izihub/). Apesar de ser noticiada como a pioneira em identidade digital descentralizada no Brasil (https://abeinfobrasil.com.br/certisign-e-pioneira-em-tecnologia-para-identidade-digital-descentralizada-no-brasil/), a OMyPass foi lançada antes. A Certisign/iziHUB não fornece informações sobre a blockchain utilizada pelo iziPass. Contudo, sabe-se que a Certisign ingressou, em 2018, em uma rede mundial de identidade digital descentralizada, a Sovrin (http://www.certificadoqualificado.net.br/certisign/sala-imprensa/materia/d/noticia/certisign-e-a-primeira-empresa-da-america-latina-a-integrar-rede-mundial-de-identidade-soberana–). Entretanto, como a empresa não consta mais como membro da rede Sovrin (https://sovrin.org/stewards/), não é possível saber se a Certisign ou a iziHUB continuam usufruindo da rede de outra forma.

O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD) é uma das empresas pioneiras no campo da identidade digital descentralizada no Brasil, com presença nos principais fóruns mundiais de identidade descentralizada e membro associado do projeto Hyperledger da Linux Foundation, atua no tema desde 2018. Neste segmento a plataforma iD, fornecida no modelo de software como serviço (SaaS), disponibiliza toda a infraestrutura para aplicações de identidade digital, contendo um conjunto de APIs para a definição, emissão e autenticação de credenciais armazenadas em uma carteira digital. A plataforma conta com duas opções de carteira digital, sendo uma white label e a outra o aplicativo SOU iD, que é uma carteira de uso genérico destinada a experimentação rápida.

As credenciais que podem ser armazenadas no aplicativo e incluem: comprovante digital de residência, diplomas de escolas e cursos, credenciais bancárias, cartões de vacinação e históricos médicos, entre outros. Como as credenciais digitais ficam armazenadas em segurança no aplicativo de carteira digital no celular do seu usuário, nenhum dado pessoal fica na nuvem. Isso garante ao usuário a posse e o controle de seus dados pessoais, o fim do preenchimento de cadastros, fim da criação de logins e senhas e a liberdade para escolher com quem compartilhar seus dados.

Link: https://www.cpqd.com.br/solucoes/id/

Serpro – ProID

O Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO), é uma empresa administradora do maior banco de dados da União, com informações críticas e sensíveis de todos os cidadãos brasileiros, que dizem respeito à totalidade dos aspectos das vidas de toda a população do país. Atualmente, a empresa vem trabalhando com inúmeras frentes voltadas para o desenvolvimento de iniciativas no campo da identidade digital, uma delas é o projeto ProID, talvez o mais avançado quando se trata da migração de informações tradicionais para carteiras digitais no Brasil. Trata-se de uma solução que moderniza o processo de emissão de carteiras profissionais dos conselhos de classe e assemelhados, migrando as tradicionais carteiras de papel para o ambiente digital, por meio de um aplicativo para dispositivos móveis. Permite a identificação segura dos profissionais registrados, por meio de um documento digital acessado via aplicativo de celular, integrado online com o emissor.

Um de seus principais recursos é a capacidade de gerenciar as inadimplências dos membros e o absenteísmo dos servidores imediatamente após a conexão com a Internet. Isso garante que o acesso ao aplicativo seja bloqueado em casos de suspensão do exercício profissional ou caducidade de documento, recurso fundamental para a proteção contra acessos não autorizados no exercício de atividades regulamentadas. Além disso, a ProID oferece um serviço exclusivo de mensagens instantâneas e notificações interno à agência, suas afiliadas e servidores, em uma interface totalmente parametrizável que oferece grande liberdade para personalização de documentos.

Link: https://www.gov.br/pt-br/servicos/contratar-documento-de-identificacao-digital-proid

ChainID

Essa iniciativa trata de um nicho mais específico e é voltada para o gerenciamento de identidades descentralizadas baseadas na tecnologia blockchain. Ela permite serviços de autenticação e autorização que suportam vários domínios e constrói infraestrutura arquitetônica usando frameworks e protocolos de comunicação, fornecendo interoperabilidade com vários fornecedores e segurança para soluções de gerenciamento de identidade e compartilhamento de informações entre pares. Para estabelecer a credibilidade da plataforma ChainID, um mecanismo de verificação foi criado. Esse mecanismo utiliza a emissão e revogação de credenciais e serviços de solicitação de comprovação. Além disso, um provedor de identidade (IDP) foi projetado para acomodar a rede Comunidade Acadêmica Federada (CAFe), da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP).

Link: http://chainid.com.br/

O Brasil viu nascer alguns empreendimentos com soluções de identidade digital descentralizada, mas sua adoção ainda é pontual e tímida. Recentemente, foi lançado pelo Governo Federal do Brasil o Documento Nacional de Identificação (DNI). Esse documento busca reunir em um único documento todos os vários registros relacionados ao cidadão: Registro Geral (RG), Cadastro de Pessoas Física (CPF), Certidão de Nascimento e Casamento, e Título de Eleitor (https://dnibrasil.com/). Embora essa identificação utilize uma estrutura centralizada, esperamos que a iniciativa sirva de exemplo e motivação para que empreendedores brasileiros criem cada vez mais soluções para identidades digitais e considerem a descentralização como fator em seus negócios.  Assim, a identidade digital descentralizada estará cada vez mais presente no dia-a-dia dos brasileiros.

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