Plataformas digitais colaborativas: uma alternativa aos gigantes digitais?


Por Douglas Wegner, professor e pesquisador na Fundação Dom Cabral (FDC) e pesquisador do iCoLab

Plataformas digitais desafiam os modelos de negócios tradicionais ao conectar recursos, organizações e pessoas. Quando analisamos as dez maiores corporações globais percebemos que sete operam por meio de plataformas digitais (PwC 2021), como Apple, Microsoft, Alphabet, Facebook e Tencent. Essas gigantes criam ecossistemas de negócios digitais, quebrando os limites entre setores de negócios e antecipando mudanças disruptivas que outras indústrias tendem a experimentar nos próximos anos.

A rápida ascensão dessas plataformas digitais também tem gerado fortes críticas. Grandes corporações têm sido acusadas de usar plataformas digitais para explorar trabalhadores, piorar as condições de trabalho, monopolizar indústrias e concentrar riqueza. Estas afirmações foram fundamentadas por estudos mostrando que grandes plataformas digitais podem causar disfuncionalidades sociais e econômicas como concentração de poder, aumento significativo do preço dos aluguéis para moradores locais em destinos turísticos (um processo chamado gentrificação) e más condições de trabalho para gig workers

Esses efeitos adversos exigem novos modelos de plataformas digitais, baseadas em princípios de ética e sustentabilidade. Idealmente, estas novas plataformas devem promover a colaboração entre os usuários, focar em aspectos sociais e ambientais, podendo ser controladas e governadas pelos próprios usuários e comunidades. Elas também deveriam integrar metas além dos lucros, gerando benefícios mais justos para todas os stakeholders e de acordo com os esforços e dedicação de cada um. Tecnologias como blockchain podem apoiar e habilitar essas plataformas ao oferecer suporte para a transparência, democracia e o monitoramento das ações. 

Exemplos de plataformas digitais colaborativas surgem em todo o mundo. Por exemplo, Driver’s Seat é uma cooperativa de plataforma de motoristas de transporte compartilhado e entregadores que desafia o Uber e oferece melhores pagamentos aos motoristas. FairBnB é uma plataforma cooperativa gerenciada pelos associados e que reinveste parte dos lucros em projetos para as comunidades onde atua. Exemplos semelhantes surgem em países emergentes: na Índia, a plataforma digital KisanMitr visa apresentar tecnologia aos agricultores e promover a colaboração entre os atores relevantes do ecossistema empreendedor na agricultura. No Brasil, SmartCoop reúne cooperativas agrícolas em uma plataforma que pretende se tornar um ecossistema cooperativo de negócios digitais, conectando agricultores a prestadores de serviços.

Três formatos de plataformas digitais colaborativas

Há pelo menos três tipos de plataformas digitais colaborativas que já foram descritas na literatura e identificadas em exemplos empíricos: (i) plataformas que visam estimular a colaboração entre os participantes, (ii) cooperativas de plataforma e (iii) open cooperatives ou cooperativas abertas.

O primeiro grupo inclui plataformas privadas com fins lucrativos, mas o seu objetivo principal é estimular a colaboração em direção a um objetivo comum. As plataformas neste subcampo podem ser ‘orientadas para a rede’ ou ‘orientadas para a comunidade’. Plataformas orientadas para a rede visam obter efeitos de rede e promover conexões entre os participantes. Elas permitem às organizações interagirem para compartilhar conhecimento e desenvolver inovações conjuntas. Muitas dessas plataformas buscam promover a sustentabilidade dos participantes ou gerar inovações colaborativas. Plataformas orientadas para a comunidade enfatizam questões sociais e ambientais e tendem a ter foco local. Essas plataformas ajudam a promover serviços que ajudam iniciativas locais, criando uma comunidade colaborativa. Também podem ser chamadas de plataformas com missão social, ou seja, projetadas para incentivar a inovação social através da colaboração. Um exemplo é a plataforma Share the Meal, que promove a conexão entre doadores de alimentos e pessoas em situação de vulnerabilidade. 

O segundo grupo refere-se às Cooperativas de Plataforma, organizadas em torno dos princípios do cooperativismo, incluindo a propriedade coletiva, a democracia, a participação nos processos de tomada de decisão e sua natureza sem fins lucrativos. Os exemplos mais comuns incluem serviços de táxi e delivery, hospedagem e turismo, e serviços profissionais. Essas plataformas surgem como uma resposta às plataformas digitais tradicionais e à uberização da economia. A orientação política dessas plataformas fica evidente em casos como Driver’s Seat e FairBnB, cooperativas concebidas como uma alternativa a Uber e AirBnb. Fairbnb foi formado por ativistas sociais, empreendedores e desenvolvedores. Surgiu como uma reação aos problemas sociais causados pelo turismo de massa e a natureza extrativa do turismo convencional estimulado pelas plataformas de aluguel. 

Por fim, as open cooperatives exploram convergências entre a lógica da produção para o bem comum com o mundo das cooperativas e da economia solidária. Essas plataformas não pretendem criar melhores Ubers ou AirBnbs mais éticos. Em vez disso, procuram abordar questões sistêmicas mais amplas como transporte e habitação, por meio de softwares livres e open source. Nas open cooperatives, a ação coletiva é guiada não pelo lucro, mas pelo foco social e ambiental, adotando regras mínimas em comparação com os dois tipos anteriores de plataformas. Essas plataformas administram recursos comuns já existentes (como por exemplo espaços públicos, conhecimentos tradicionais) ou buscam criar novos recursos para uso social. São organizadas em torno de princípios de abertura e transparência, permitindo acesso aberto e dados abertos sem forte regulação das atividades. 

A tecnologia blockchain pode apoiar um novo caminho para a colaboração em plataformas digitais

As três categorias de plataformas digitais descritas mostram que existem alternativas aos modelos corporativos de plataformas e à uberização da economia. Um número crescente de indivíduos e organizações compreende que as plataformas digitais podem ser utilizadas para promover colaboração e objetivos coletivos. Isso não significa que as plataformas corporativas serão substituídas, mas indica que existem alternativas possíveis. Ainda que plataformas como Uber, AirBnb e Amazon continuem existindo, o surgimento de plataformas colaborativas e a adesão crescente a elas pode provocar mudanças na forma como as plataformas corporativas se relacionam com seus stakeholders e dividem o valor criado por seus participantes. 

Nosso estudo nos leva a acreditar que um mundo mais colaborativo é possível e as plataformas digitais podem contribuir significativamente para esse objetivo, aproximando indivíduos e organizações e estimulando ações coletivas e com impacto positivo. A tecnologia blockchain pode desempenhar um papel fundamental nesse processo, apoiando a transparência, processo participativo de tomada de decisões e a rastreabilidade das ações dos membros. A colaboração será facilitada à medida que os participantes de plataformas digitais perceberem que a utilização da tecnologia blockchain gera mais confiança nas interações e minimiza as chances de comportamentos oportunistas. 

Este texto foi baseado no seguinte artigo:

Wegner, D., da Silveira, A. B., Marconatto, D., & Mitrega, M. (2023). A systematic review of collaborative digital platforms: structuring the domain and research agenda. Review of Managerial Science, 1-33.

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